Au revoir

Começarei dizendo aquilo que deveras sinto: sinto saudade.
E sinto saudade há muito tempo, do tempo em que não precisava senti-la.
Um tempo distante, quando ainda éramos amigos,
quando ainda éramos companheiros, nos víamos sempre e sem tempo para nos deixarmos.
Um tempo que há muito não existe.
Pois tudo acabou, como todas as coisas um dia acabam,
assim como deus um dia acabará, mas isso é papo para outra hora.

Ainda lhe tenho no coração e isso nunca mudará.
As boas lembranças devem ser mantidas e isoladas em um canto bonito,
ao lado das boas recordações, dos dias felizes e das horas marcantes.
Mas sinto saudade de você por não mais tê-la em mim,
marcada na pele, como a brasa que marca a noite.
Há muito deixamos de nos ver.
Não que você tenha morrido, não que a tenham tirado de mim,
(há coisas que são infintas mesmo quando findas)
mas é que a relação foi estabelecida de uma forma
e hoje a vivenciamos de outra.

Em suma, mas nem tanto, hoje não podemos ter um ao outro.
Nossas vidas deram voltas conturbadas, tomaram caminhos desconhecidos,
tomamos atitudes e decidimos por futuros nunca antes pensados.
E isso é bom, válido e saudável. Mudar de opinião,
eis uma das dádivas de sermos seres humanos e podermos vivenciar a vida.
Mas, mesmo lúcido de nossas boas escolhas, meu coração toma rumo diferente,
diverso do que pensa minha cabeça.
Meu coração, meu corpo e minha sanidade clamam por ter você novamente,
da forma que eu sempre tive: minha, minha, minha, minha...

Por isso, e por mais um bocado de coisas, tenho tentado esquecer da saudade
e pensado que a sua partida é de extrema necessidade.
Que tens saído de minha vida para viver a sua. Você deixou-me jogado de lado,
como um pequeno urso de pelúcia, que muito fez a alegria da menina na infância,
mas que já não cabe à vida adulta da mulher que se tornara.
Tomou um rumo incerto, cheio de caminhos tortos;
Olhares atentos até o primeiros deslize, há uma plateia que anseia o escorregão.

Não nego que eu faça parte deste seleto grupo de pessoas imundas,
mas aos poucos entendo que a sua saída de mim, o fato de ter desertado da minha alma,
era já algo que se mirava no horizonte do passado e eu fora inocente a ponto de não enxergar.
Não via a mim, não via você, eu apenas nos sentia como algo imutável,
sem chance de mudanças, não haveria em nós metamorfose alguma.

Mas houve.
Ouve,
houve mudança em nós todos, em nossos corações despedaçados,
que, ansiosos por amor, buscaram-no indiscriminadamente;
houve mudança em nossa vivência, que deixou de ser constante e passou à modéstia;
houve o carinho, que se estabeleceu quando a paixão deixou de existir -
hoje somos amor, somos o semblante calmo em luta com o tormento que há em mim;
houve o abandono de nossas raízes e a tentativa de novos sabores e outras texturas;
e, por fim, houve a morte da dependência química.

Repito, sinto saudade, imensamente,
mas hoje escrevo isso tudo para você para que possa me perdoar pela tentativa de lhe ceifar
os sentimentos, a vontade, a dedicação ao seu homem, a vontade inata de ser feliz
e levar consigo, para o túmulo, uma vida cheia de desejos e realizações.
Além de sentir saudade, sinto arrependimento de ter-me entregado tanto e tudo.
De ter sido alguém possessivo, fanático e iludido com a nossa relação.
Termino dizendo que hoje sei quem você é por tudo o que você tem passado,
tudo o que tem feito, por todas as belas decisões que tomara, mas, principalmente,
por eu me entender tão mais e melhor que anos atrás.

6 comentários:

  1. as partidas são necessárias. a saudade nos faz enxergar muita coisa. lindo texto!

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  2. Que maravilhoso, Cell! tanto tempo que não passava por aqui. Beijos...

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  3. Amo o que você escreve, estou emocionado, aff <3 <3 <3

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  4. ''mas é que a relação foi estabelecida de uma forma
    e hoje a vivenciamos de outra.''

    Mais do que um texto confessional, isso é um desabafo dos mais bonitos...
    Só não me identifiquei como abracei tuas palavras, porque ainda não consigo escrever tantas coisas... Tudo por minha tamanha bagunça interna.

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  5. Bom estar de volta e ler um texto como esse... demais!
    bjs

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