Existência vs. Morte

Talvez eu esteja experimentando a sensação de morrer. Não a de morrer e deixar esse plano. Apenas de morrer. Morrer é deixar de existir e eu estou deixando de existir aqui. E agora. Experimento não porque quero, mas porque há a necessidade de sair da gente e entrar em combustão. Morrer é também como entrar em combustão. Deixar que a alma, os preconceitos e o preceitos sejam levados pelo fogo. Portanto, morro e queimo. Sou minha própria inquisição e sou acusado de ser. Ser em todos os sentidos que a palavra tem, inclusive a do vácuo; que ser é tudo além de não ser, também. Então sou e pela medida que sou, extrapolo, saio de mim, e essa inclinação para fora, essa metafísica estranha que a gente se percebe exercendo mesmo não querendo, é que tem me feito morrer cada dia mais.

Explico: a sensação de morte nasce quando as nossas bordas estouram e a nossa vivência não cabe mais nos limites a que somos cerceados. Eu tenho os limites impostos pelas coisas da vida, coisas tão mundanas quanto quaisquer outras que são tão priorizadas. A inteligência é uma experiência de morte. Tendo em vista que a ignorância é uma benção, a inteligência é o martírio do ser e de ser, e custa a alma, um pouco do corpo, um pouco do equilíbrio. E com a inteligência a gente se abrange, sai do corpo, sai da vida. A gente morre com a inteligência, porque conhecer é querer morrer e deixar de lados os pormenores inferiores, estigmatizados e sofridos da existência.

Talvez eu esteja morto pela observação. Também uma forma de sair de si. Eu morro quando vejo a gente sofrida e com poucos dentes na boca. A boca triste, pedindo uma palavra, querendo se alimentar de uma palavra, e a única que recebe é "não". A palavra tem um peso enorme e é dela, da palavra dita, que nasce a observação da palavra expressa, da ação; portanto, o verbo. O verbo, o que acontece, a palavra em movimento, segundo agramática, é a observação do ser humano. Aliás, observar é primeiro um verbo observando outro. Ou seja, uma loucura. E é da loucura que nasce todas essas primeiras mortes citadas e descritas anteriormente.

A loucura, deixo claro, é muito particular. Portanto, enlouquecer em grupo é algo inconcebível. Há que ter loucura na existência para aguentar o fardo e as suas consequências. Todo peso exige força e todo exercício tem como recompensa mais força. Creio, por isso, que a loucura é a principal motivadora da força. E quem sabe o inverso. Há que ter loucura, há que ter força, observação e fogo. Há que deixar-se morrer diariamente em frente ao espelho, esperando ou exercitando as respostas para as perguntas que a gente faz. Eu tenho recebido com grande entusiasmo as pontadas na nuca e as facadas na barriga. Eu tenho me lançado de cabeça no poço fundo que é a existência. Lancei-me para que eu profundamente me entenda e consiga voltar. Não há beleza na luz se ela não existir a partir da escuridão.

2 comentários:

  1. A inteligência é uma experiência de morte.
    Que lindo texto, Marcelo.
    Sinto que estou morrendo. Da mesma morte que descreves com tamanha compreensão.

    ResponderExcluir
  2. não há como viver sem, pelo menos, morrer 7 vzs!
    Bj, meu escritor amadico

    ResponderExcluir