A primeira vez que saí de casa, levei comigo alguns
livros, meu skate e todas as minhas xícaras. Era apaixonado por elas. Uma de
cada tamanho, com desenhos diferentes e compradas em algum momento bacana. Não
era de comprar xícaras lisas, daquelas de que a gente compra em conjunto. Seis
xícaras, seis pires, mais as colherinhas pra mexer o açúcar; tudo bem
combinadinho e brega. Mas comprava, e muito, das lisas, que a gente acha
avulsamente, porque a diferença de uma pra outra é sempre muito grande.
Àquela época, não tinha ideia por que tê-las perto de
mim era tão importante. Hoje, vejo que não havia um motivo certo. É que, quando
não se tem amor próprio, a gente precisa fingir que o nosso amor está
direcionado a algo. E o meu, eu jogava nas xícaras.
Com o tempo, e as casas, algumas xícaras foram se
perdendo. Algumas quebraram, outras eu dei. Quando não tinha dinheiro para
comprar o presente de aniversário de um amigo, embrulhava uma de minhas xícaras
em papel bonito de presente e passava pra frente. Sempre percebiam, mas nunca
me falavam nada. Era tácito, eu só poderia passá-las pra alguém com quem eu
tivesse contato. Porque poderia vê-las sempre que a saudade apertasse e eu
precisasse reviver aquela história.
Ontem, na casa de minha mãe, vi uma xícara minha que
há muito não usava. Branca, sem desenho algum, com o lado de dentro colorido.
Ela era decorada para o líquido, não pra quem a usava. Lembrei de quando a
comprei e com quem estava. Sorri. Sorri porque as lembranças se amotinaram em
mim e a saudade daquele dia se fez presente.
A gente
esquece que junto de qualquer compra tem sempre uma história, alguém com a
gente, algo que acontece ou alguém que a gente reencontra. Comprar minhas
xícaras sempre esteve muito relacionado a passear, e eu normalmente saio de
casa pra encontrar alguém querido.
Compro xícaras nos hipermercados, em lojas de
acessórios pra cozinha, ou qualquer lojinha que se arrisque a pô-las à venda.
Não precisa de muita coisa, precisa apenas que ela seja elegante, bonita, ou
como se diz aqui no interior: classuda.
Aquela xícara branca, com o lado de dentro colorido,
eu comprei junto com minha amiga, uma bela amiga que eu tenho há anos e que,
espero, seja amiga pelo resto de nossas vidas. Andávamos em um hipermercado,
depois de fazer compras pra casa, e eu vi a xícara. Enquanto comíamos algo,
depois de tê-la comprado, disse pra ela um pouco do que eu queria pra mim e pra
ela no futuro.
No pouco tempo que se passou, daquele evento até
hoje, tudo tem mostrado que as nossas vontades não se concretizarão. Mas isso é
a vida, não o que a gente quer, mas o que acontece. Há muito tempo perdi a
ilusão de que tudo é perfeito. Ainda sonho, acho que as coisas podem acontecer,
mas se elas não acontecerem, fica tudo bem.
Espero que um dia, quando eu for pra minha última
morada, eu tenha a experiência e o desapego suficientes para não levar comigo
xícara alguma. Mas espero levar todas as pessoas que eu conheci e a vida que eu
pude viver, mesmo que não tenha sido aquela que eu calculei. Que nesse dia, o
sol seja brando e as árvores estejam cheias de folhas, pra que o calor não
fustigue mais a dor de quem ficar. Que a viagem seja bela e pouco sofrida, e
que o sofrimento terreno tenha valido a pena.
Não
digo isso dizendo que quero morrer e que isso é algo que espero. Que nada! Eu
quero a vida por muito tempo. Mas o bom da velhice é que a gente ganha
repertório e clareza das coisas. Com o tempo, eu percebo que valem mais as
pessoas do que as xícaras
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