Vá com Deus!

Ao meu amor;

Amor,
gostaria de informá-lo
que o senhor já não cabe mais nesse coração.
Não.
Eu desisti de algumas coisas
e dentre elas está você.
Deixei de vestir tênis sujo,
de guardar minhas meias e cuecas furadas,
parei de colecionar cartões telefônicos
e mais um bocado de coisas.
E
amor,
o senhor está entre elas.

Porque,
assim como algumas das coisas citadas acima,
o senhor caiu em desuso -
ao menos aqui em casa.
Sabe quando algo que enfeita a estante
fez muito sentido no passado,
mas agora, olha-se e não é possível encontrar utilidade?
Pois bem,
amor,
este é o senhor em minha prateleira.

Eu tenho olhado à minha
- espero que o senhor tenha entendido essa parte da metáfora -
e detestei vê-lo por lá.
Primeiro porque as cores, essas que o senhor usa,
de tanta felicidade e desejo,
já não me vestem bem.
Tenho mudado de cores,
vestido melhor um cinza, um pretinho básico.
Agora sou homem, tenho que me vestir como pede a etiqueta.
Por isso o largo, a partir de hoje.

Também me despeço
pensando que assim será melhor para nós dois,
meu bem,
já que o senhor não tem me habitado há algum tempo.
As suas variáveis, elas tantas
que mal posso me lembrar de todas,
costumam ser interpretadas erroneamente
por quem pensa que me ama
- e assim acontece com o inverso.

É um deus nos acusa, um balacobaco,
uma intempérie de sensações, uma choradeira,
sempre alguém sai ferido e eu prefiro
que isso seja poupado.
Na verdade, as pessoas.
Os homens com quem me envolvo
não merecem tamanho descaso de minha parte;
já que posso poupá-los disso,
e por que também não a mim,
é isso que farei.

A encerrar,
digo:
nossos momentos foram incríveis,
cheios de sensibilidade
e realmente memoráveis.
Mas nem tudo consegue sagrar-se para o resto da vida.
Há coisas - e pessoas - que decaem.
E hoje, eu decaio.
(você já decaiu há algum tempo, me desculpe a sinceridade).

Sejas feliz.
Do seu e sempre seu,

Marcelo.

4 comentários:

  1. Eu não sei outra forma de ler "Vá com Deus" que não seja com a voz da Roberta Miranda, haha. Saber a hora de se desfazer do que já não tem serventia é primordial.

    ResponderExcluir
  2. Lembrei do Cícero:

    "Deixa pra depois
    O que já não precisa esperar
    E tudo que não deu pra consertar
    Por culpa do depois (...)

    A gente sempre deixa de cuidar
    Do que já tem na mão."

    Que a gente se engrandeça também na perda.

    ResponderExcluir
  3. É, dói mais a verdade de ver como as coisas são efêmeras do que a própria dor da perda.

    ResponderExcluir