Fernando

Ele era lindo como o dia pesado que terminara do lado de fora do prédio. O sol caía às 18:15, daquela segunda-feira, depois de um dia de trabalho. O dia fora chato. Durante as horas que esteve dentro do escritório, só pode pensar em como era lindo. O que sabia dele? Nada, na verdade. O nome que ele havia lhe dado era fictício, ele sabia. Fernando. Um nome comum, ao qual ele se agarrara com toda a força. Mas era isso e só. Fernando. Um rapaz que devia medir 1,80 de altura, não mais do que isso. Achava-o lindo, traços fortes, mas em um corpo magro, delicado. Gostava de encostar na poltrona, relaxar depois de beber uma cerveja e então Fernando saía da toca. Uma raposa. Olhos vidrados, retos, um pouco desconexos com a cena, mas Fernando era assim. Não dava para saber se fazia parte do show, da sensualidade, ou se ele havia fumado algo. Ele achava a última alternativa mais acertada.

Pendurava-se na barra de ferro. Tremia o corpo malhado, abria as pernas, de calcinha, rasgava o salto no assoalho de madeira. O seu peito sofria ao ver aquilo. Como poderia algo parecido com Deus estar ali, em um canto tão sujo da cidade. Ao vê-lo dançando pensava naquela frase aprendida há anos com a avó evangélica: quanto mais perto de Deus, mais se peca. Fernando era o mais fino pecado com cara de anjo. Faltavam-lhe as asas, mas tinha o rabo. Que rabo! Tão másculo, tão sórdido. Enquanto dançava ele não podia encostar. Nem durante e nem depois. Custou a entender que esse era o modo mais astuto de estimular o cliente. A gente tende a querer aquilo que não pode ter - filosofias de bar que se chocam com a realidade. Então se masturbava, pedia que Fernando virasse de costas, baixasse a calcinha e ficasse ali, com as mãos no chão, enquanto ele imaginava Fernando fora dali, na sua cama, em um dia lindo, sem a calcinha, sem o salto, sem nada.

Gostaria de tirá-lo dali. Quantos anos teria? Parecia ter 20 e poucos, mas era possível que tivesse 18, talvez menos. Nesse ramo a gente nunca sabe. Levaria Fernando e faria o quê? Esconderia? Colocaria em algum apartamento alugado, o amaria sem que ninguém soubesse. Não seria justo. Tirá-lo dali para trancafiá-lo em um apartamento, qual a diferença? Não conseguia pensar direito perto dele. A visão ficava turva, a cabeça envolta de algo que ele pouco conhece. Fernando cheirava feito as vagabundas de beira de estrada, mas o perfume nele era bom. Fedia sexo, mas as suas feições eram leves. Pelo que teria passado para que chegasse ali, para que fizesse isso. Quem era aquele garoto que mexia tanto consigo...

Soou o apito, havia dado sua hora. Ele pediu mais, mas os clientes não podiam dobrar o horário. Normas da casa. Jogou um cartão para Fernando, pediu que ligasse, ele devolveu o cartão e disse que não podia. Apontou o vidro atrás dele. Alguém estaria ali para que nada saísse do controle. Não sabia como se despedir. Se agradecia, se deveria chamá-lo de gostoso, rabudo, mas isso deviam falar com frequência, não queria parecer torpe, nojento como deveriam ser os outros clientes. Então disse que o amava. Saltou assim, repentinamente. Fernando virou-se e ele repetiu. Eu te amo, Fernando. Alguém o puxou para fora da sala, já deu seu horário, porra, gritaram-lhe. Olhou de volta, mas Fernando já não estava lá.

Andou até o carro olhando de um lado para o outro. Duvidava que alguém que o conhecia andasse por ali, mas receava ser visto. O trajeto até sua casa foi de choro. Um choro convulsivo, triste, uma dor profunda que ele provavelmente nunca mais teria. E não teve. Chegou em casa e beijou a esposa. Transaram, em algum momento ela pensou tê-lo ouvido mencionar um nome diferente, mas não deu bola, ouvira mal. E ele, ele nunca mais viu Fernando. Nunca mais voltou ao clube em que ele se apresentava, mas sonhava com ele todas as noites. Fernando aparecia nu, deitado em sua cama, com as pernas abertas, um anjo e suas asas. Dizia alguma coisa, ria de canto, ele não compreendia. Fernando então virava-se. Belo, pedia que lhe maltratasse, que fizesse como os outros, mas ele não fazia. Deitava-se com ele, riam, beijavam-se, comiam-se e... e... Fernando sumia e... Não sabia quem era... Que garoto lindo, que pernas... Que coxas lindas, rapaz... e... Isso, abra e me deixe ver... Não fala nada, só me deixa... e acordava.





2 comentários:

  1. Esses cenários sujos e tortos são os mais sedutores, tem um quê de incômodo, uma coisa que a gente não sabe bem como explicar, uma coisa que é confronto, é sem paz. Coisa de gente grande. Parabéns, Marcelo! Expanda-se.

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  2. Adorei tudo, mas, acima de tudo, o último parágrafo. Adoro essa coisa que surpreende, essa escrita nua, que parece descrever um momento de uma vida vivida. Parabéns!

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