Hoje fiz uma viagem até o passado, inesperadamente, enquanto sentia o
frio que entrava pela janela logo de manhã. Eram sete horas, acho, e eu estava
enrolado em uma coberta grande, muito maior do que eu àquela época. Sentia um
frio tremendo nas pernas, que ainda não tinham os pelos de hoje, e me enrolava
na coberta para tentar me aquecer. O café fazia fumaça na cozinha e o cheiro
estava pela casa toda.E, vindo do quarto havia meu pai. Ele já estava de terno,
indo trabalhar. Passou por mim, me deu um sorriso e depois, como era de
costume, mostrou a língua e fez um V com os dedos, para dizer que estava tudo
bem. Meu pai, tão moleque.
Olhei para a janela e me dei conta de como as nuvens conversavam comigo.
Sempre fui um tremendo inimigo do tempo, das coisas que ele me tirava e as que
ele me impelia. As nuvens, no entanto, eram um acordo tácito de acerto entre
nós. Ele me dava algumas delas e eu consentia em ser um pouco mais direito,
menos bagunceiro. Na escola, eu sempre fora excelente, até demais. Era um dos
bobos que era ofendido pela classe toda, mas ainda assim passava as respostas
da prova para quem pedisse. Achava que assim, mesmo que os que não merecessem
passassem de ano, só eu saberia das coisas. Bobagem.
Minha mãe entrou pela sala e me disse bom dia, sempre na dela, cabeça
baixa. Preocupada demais com as contas e aquela casa grande para limpar. Tanta
coisa havia mudado desde que ela decidira conhecer o mundo. Saiu de casa bem novinha achando que desbravaria tudo aquilo que o pai a havia censurado. Mas nunca saiu
do país, andou alguns estados, no máximo. É que a gente esquece que antes de
ultrapassar as barreiras dadas pela geografia, tem que vencer as barreiras
internas.
Tomei alguma coragem e fui tomar o café. Eu ainda tinha sete
anos, mas já tomava uma xícara de café com leite todas as manhãs. Acompanhando,
um pão com manteiga e, às vezes, uma fruta, que minha mãe insistia que eu
comesse. Para minha saúde. Olhei fixamente a fumaça que saía da xícara e
conversei com aquelas pequenas nuvens que a alta temperatura do café formava.
Hoje o tempo está me presenteando bastante, pensei.
Foi quando me dei conta de alguns anos se passaram desde aquele dia
comum de minha infância. Olho para a frente. Há os grandes prédios no centro da
cidade e eu estou em frente a um deles. Parado, segurando meu copo de café e
esperando que aquela cena toda se desenrolasse na minha cabeça. Dei um pequeno
pulo no passado tentando entender um pouco do meu presente, fazer as medidas
corretas dos meus atos em outra época, para tentar entender as dimensões
corretas do que tenho hoje. Sou um pouco incorreto com as minhas vontades, com
as minhas amizades e os meus sorrisos.
Ando em frente e deixo que tudo se dissolva naturalmente, sem que eu faça
força. A dor de cabeça é inevitável e, antes de entrar no escritório em que
trabalho, passo na farmácia e peço um paracetamol. Depois do lance de escadas e
de chegar ao terceiro andar, sento-me e começo a trabalhar. Um pouco da minha
infância eu deixei de aproveitar e de curtir. Subjuguei-me. Deixei que a
opinião alheia fosse mais importante do que a minha própria. Alguns sorrisos
ficaram preso por anos e só hoje começam a se soltar. Assim como todo o resto.
Tiro os sapatos e coloco mais um par de meias. Olho para a janela e há uma
infinidade de nuvens. Várias delas em formato geométrico. Elas ainda falam
comigo.
vindo aqui na sua nova 'casa'... Bj!
ResponderExcluirdou as boas vindas ou recebo-as?
ResponderExcluirboa sorte nessas páginas que já começam ótimas, cheias de nuvens recortando o céu.
Amadico, que bom ter vc de volta e recomeçando com o passado. Um tempo onde tudo é real, até as nuvens.
ResponderExcluirDesejo-te ótimos leitores, pq textos ótimos vc já tem.
bj enorme