Depois do caos, renasce uma flor

Aos poucos eu ajeitei a casa e deixei tudo como estava antes do furacão. Antes de toda dor se formar a fazer essa morada extensa e mortificante. Lavei os pratos, a cozinha, a sala. Lavei tudo para tirar o cheiro forte. Levei as cuecas sujas para a lavanderia, ajeitei as almofadas e escolhi um par de chinelos bonito para usar. Mesmo sendo um encontro, eu prefiro ser simples, parecer simples. Coloquei meu shorts jeans desfiado e uma regata com uma camisa xadrez. Ajeitei os cabelos, parecendo que não o havia ajeitado, e coloquei os chinelos. Havia cogitado ficar descalço, mas não queria parecer despreocupado. Eu estava muito nervoso, por sinal. Tentava não aparentar, mas o suor nas mãos e a boca tremendo não me deixavam mentir.

Esperava ser tão receptivo quanto você fora. Na sua casa. Tão bem ajambrada e limpa. Uma lâmpada de tonalidade escura na sala. Achei estranho no começo. Meu olhos demoraram um tempo até se acostumarem com a pouca luminosidade. Eu sabia que aquilo não acabaria bem, mas eu preferi deixar que as coisas acontecessem. Por muito tempo eu mantive tudo sob meu controle e veja no que deu... Por isso deixei que acontecesse, que você me convidasse para ir até sua casa tomar um vinho, comer um queijo, de repente um filme. Você tinha aquele do Almodóvar, sensacional! E me deixei cair. Deixei que você me servisse um vinho caro, metido à besta, mas que você gostava. E vê-lo segurando a taça com as pernas cruzadas, enquanto tentava falar algo para me impressionar, foi fantástico. Eu não gosto de vinho, mas gosto de você. Por isso o acompanhei naquela garrafa. E na seguinte.

Preferi fazer algo leve. Nada muito pesado. Um arroz, um grelhado e vinho. Comprei três garrafas do vinho que você gosta - que me custaram metade do meu pagamento. Mas não me importei em pagá-las. Foi até gostoso, empregar dinheiro em algo desconhecido, em uma oportunidade tão inoportuna. As flores que eu comprei não eram para deixar na mesa tampouco para enfeitar a casa. Comprei para dá-las a você quando você entrar. Pensei em puxar a cadeira, mas acho que não seria adequado. Não somos íntimos, mas já não temos mais a distância que os primeiros encontros causam. Não me sinto desconfortável. Na verdade, me sinto livre para falar qualquer bobagem, besteira, piada. Fazer piadas sem graça são a minha especialidade, você bem provou certa dose na sua casa.

E nela você provou um bocado mais. Que eu deixei. E aproveitei. Tanto vinho na cabeça não faz muito bem. Eu sabia e não fiz nada para impedir. Não neguei o vinho nem você. Não neguei o beijo que começou pequeno e que acabou na cama. Nas tuas pernas prensando minhas coxas para dentro de você. O teu cabelo desajeitado, a cama fazendo barulho o lençol sujo do nosso suor. Não neguei nada disso e nem o dia seguinte. Aliás, uma concepção do que é o primeiro encontro pode ser descrito com o dia seguinte. Quando acordei, você ainda dormia. Levantei-me, sorrateiro, escovei os dentes e voltei para a cama. E te acordei com um beijo gostoso. E transamos até o meio da tarde. Deixamos nossos compromissos para depois porque agora era a hora de deixarmos acontecer. Deixamos até que eu fui embora. Você de cueca na porta da sala me vendo andar até o portão, uma cena que me deixou enciumado. Você andava assim, só de cuecas, enquanto os vizinhos o viam?

Ele tocou a campainha e eu fui abrir o portão. Dei dois beijos simpáticos no rosto. Falei que ele estava lindo. E estava. Também de chinelos (acho que ele se lembrou do meu fetiche em pés, falei algo na sua casa). Lindo como ouvir música. Entrou e pediu licença. Acho tão bonito quem pede licença para entrar na casa dos outros. Sentou e eu servi um vinho. Quando viu a marca, riu. Acho que fiquei com vergonha, mas não me lembro. Lembro-me apenas que dançamos no meio da sala. Ele me beijou forte e me abraçou. Comemos o que eu havia preparado e não transamos. Preferimos conversar. Deixei ele falar sobre a família. O pai que ele havia perdido no começo do ano, na mãe que ele não via há dois dias, mas que já estava com saudade. Era filho único, nunca quisera irmãos, mas nunca deixou a exclusividade afetar seus sentidos. Preferiu a sobriedade. Sentou-se no meu colo, lá pelas seis da manhã e me pediu um beijo. E então foi embora. Disse um tchau gostoso no portão de casa. Sabíamos que aquilo não acabaria bem. Não teríamos futuro. Mas por hoje, aquilo nos bastava, sermos o esteio confortável um do outro.

2 comentários:

  1. Nossa, pude sentir o frio na barriga em toda essa espera.. mas achei que o final fosse acabar como na casa dele.. Mas não importa, né? Por hoje é o que basta :)

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