Mudo de nascença


O espaço vazio que eu tento ocupar
e as nações que me devastam,
áreas ocupadas, línguas aprendidas,
meu corpo delimitado
e eu não sou abismo,
mas sou um aparo de todas as almas perdidas.
Recebo os moribundos,
os leprosos, os deturpados e os depravados.
Falo em riste no céu da minha boca
e eu sou uma constelação inteira
sem brilho, fosca.
Entrincheiro as vontades do corpo
à alma que se esvai com as palavras,
o coração que se perde à vista
de qualquer boca rosada.
Eu tenho medo do mundo
e sou mudo de nascença.

3 comentários:

  1. Num mundo onde nem quem sabe fazer mímica é realmente entendido, com esse belo texto, você está é muito bem!

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  2. Olá Marcelo

    Fico grato pelos elogios. Realmente, meu blog está abandonado há um tempo. Talvez eu não tenha mais sentido a necessidade de escrever como quando o lancei. Minha vida nesses dois últimos anos esteve bem corrida e o foco acabou mudando. Mas, escrever é bom, muito bom, e melhora com o tempo. Quero voltar a dedicar mais tempo a todo esse processo tão íntimo e depurante.

    Gostei do texto baseado no ‘Viver é Crônico’. Quando pensei no título do blog, tive duas coisas em mente em relação a palavra ‘crônico’: o fato que remete ao tempo, ao que dura muito, à persistência natural das coisas, e à ideia patológica de uma doença cujos sintomas se apresentam paulatinamente, ao longo de um período. E isso é viver. É a vida. Persistente, paulatina. Por mais aguda e repentina que seja, ela é geralmente vagarosa em seus indícios de que está acontecendo (ou seria a nossa percepção dela vagarosa?). Irreversível. Estranho pensar assim, mas é. Você pode acabar com a vida (ou simplesmente deixar de 'viver'), então ela deixa de ser crônica. Mas, e daí? A vida, para quem a usufruir, continuará a ser crônica. Porém, você não a desfrutará novamente. Viver é crônico, é lento, é inveterado e sem volta. Pelo menos esse é meu ponto de vista.

    Sua percepção demonstrada no texto ficou ótima. Se a expressão ‘é crônico’ for tida como patológica, certas pessoas vivem algo que pode ser classificado como agonizante. O sufoco pelo não-ser mata lentamente. E a escolha pelo não-ser apenas como meio de agradar os outros, de minimizar conflitos, é ainda pior. Ao contrário, devemos mesmo é nos importar somente com aquilo que nos faz melhores. Viver um pico de alegria entre vales de tristeza já nos apresenta uma paisagem cativante da vida. E para quem se arrisca nessas alturas, isso já vale a pena.

    Abraços. E belo poema esse Mudo de nascença.

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