Poesia do querer indelével

Vou rabiscar
Quero
Quero rabiscar
Mas quero deixar marca pequena
Que saia com o tempo
E um pouco de sabão
Quero que a pele
Mantenha-se a mesma
E qualquer cicatriz
Seja ilusão, loucura
Pura ótica desfavorecida
As montanhas
Eu as quero desbravadas
Mato pequeno, calça dobrada
O pé na terra
E um bocado de bicho
Picando a pele
Quero um arremedo de gente
Que não me poupe o coração
Que não me poupe a vista
Mas poupe
Minha inteligência
Quero desejo
Necessito
Um Instante rebuscado
Um quadro bem pintado
Traços finos
Braços na janela
Um quê de melancolia
E alguém me chamando pra dentro
Um alpendre
Uma chuva
Quero cultivar tomate no jardim
Estender os lençóis no varal
E ser dona de casa bem vista
Mas tudo de brincadeira
Meio falso
Ato cênico novelístico
Em que as pessoas valham mesmo a pena
E o cenário
Seja mesmo secundário
Veja só!
Quero um pouco de música
CD player na sala
As visitas bem dispostas
E um cheiro de corpo suado
Que dança e vive
A pinga no canto da boca
A mão boba na coxa
O pé e a chinela
Um eterno namoro
De canto de sala
Quero uma mesa bonita
Madeira, carvalho
E toalha de chita
Poder cozinhar as besteiras que gosto
Feijoada e caipirinha
Uma mousse de sobremesa
Não há nada mais elegante
Quero um bocado de coisa
Que a imaginação permite
Onde as mãos não alcançam
E as pessoas não andam
Quero o ponto exato que não habito
E quero inteiro
Sem tirar nem por.
Que essa metade da laranja
Não é comigo
Se for pra chupar
Que seja inteira.



[Ouvindo Tulipa Ruiz]

Um comentário: