Traição à moda antiga

Verônica fechou o celular depois de ler a mensagem que acabara de chegar. Entre o susto e a tentativa de não demonstrar o abalo, chamou a filha para ver se já estava pronta para a escola. Terminou de arrumar seu cabelo, lhe deu um beijo e a acompanhou até o portão, onde a van que a levava para a escola todos os dias já esperava.

Voltou para dentro de casa e tentou acalmar-se enquanto lia a mensagem novamente. Nela, ele dizia que iria até a sua casa hoje, caso ela não retornasse suas ligações. Ficou desesperada, a filha e o marido não estavam em casa, ficariam o dia todo fora - ela na escola e ele no trabalho. A filha estudava em tempo integral e o marido, apesar de ser dono do escritório de contabilidade, exercendo durante anos a sua função em casa, nos últimos meses passou a ir diariamente para o escritório, não poupando alguns sábados, e voltando no começo da noite.

Fora logo no começo desse estranho retorno do marido ao escritório que Verônica o havia conhecido. Alto, forte, pai de uma das colegas de sua filha, eles se conheceram em uma reunião da escola. Logo passaram a tomar café juntos, dividir suas leituras e caminhar sossegados pela praça da Independência, no centro da cidade. O centro sempre era escolhido, porque ambos eram casados e a possibilidade de serem vistos juntos era quase nula.

Havia meses que Verônica não beijava seu marido. E não sabia dizer o porquê do distanciamento. Um dia enquanto conversava com algumas amigas, uma delas a perguntou quando fora a última vez que seu marido a havia beijado e ela, sem saber responder, disse apenas que não sabia. E não sabia porque não lembrava. 

Dez anos de casamento já haviam se passado e o casamento havia caído na rotina. Transavam semanalmente, quase sempre aos sábados, davam um beijo de despedida e outro quando ele voltava do trabalho, casualmente, sem nenhuma paixão. E só. Esse era o contato que mantinham. Não se desgostavam, mas não havia mais a paixão dos primeiros anos, do namoro escondido dos pais. Tudo isso havia acabado.

E então ele apareceu, aquele homem lindo e disposto, e ela não conseguiu resistir às investidas. Passou três meses o beijando. O beijou como quem nunca havia beijado outro alguém. Ele, de início se assustara, mas depois acostumara-se. Não era seu plano ter uma amante para beijar, queria transar, seu casamento também havia caído na rotina e ele queria saber como era ter outra mulher. Amava a esposa, mas não conseguia ter com ela os bons momentos que havia imaginado no início do casamento.



Uma segunda mensagem chegou enquanto ela lavava a louça. Era ele. Estava no portão. Seu coração disparou sem saber direito o que fazer. Exitou um pouco antes de tomar qualquer atitude e foi conferir a veracidade da mensagem pela janela. Ele estava mesmo em frente à sua casa. O que esse louco veio fazer aqui?, perguntava-se enquanto procurava as chaves de casa.
Foi até o portão, abriu e mandou-o entrar, enquanto cumprimentava a vizinha.
- Olá, Dona Matilde.
- Oi, Verônica, tudo bem?
- Tudo ótimo. E com a senhora, como vão as coisas?
- Tudo na santa paz de Deus.
Trocaram um pequeno meneio de cabeça, como dizendo que o pequeno diálogo havia acabado e voltou-se para dentro.

Chegaram à sala e, logo ela havia fechado a porta, ele a agarrou e a beijou demoradamente. Ela não resistira  Nunca resistiu.Todas as vezes que brigaram, ele a ganhava de volta com um beijo demorado. Se seu esposo não a beijava mais, por que ela se queixaria de outro homem o querer fazer?
- O que você veio fazer aqui? - Verônica perguntou, entre um beijo e outro.
- Beijar você. - respondeu.
- Eu estou falando sério, caramba. Nós somos casados, se meu marido chega e nos pega desse jeito, ele nos mata.
- Tem certeza? Para quem não a beija há meses, duvido que ele tanta tal atitude.
Apesar da maledicência do comentário, ela riu. 

Nunca falou do marido com ele. Tampouco ele falava da mulher. Falavam muito dos filhos e de suas vidas. Ela havia largado o emprego para engravidar e depois do filho nascido, decidiu ficar em casa para criá-lo. Saíra do mercado de trabalho para ser mãe e ainda hoje não se arrepende. Sempre ouvia histórias das amigas que haviam deixado de trabalhar para criar seus filhos e em todas elas o final era o mesmo: o arrependimento reinava. Com ela sempre fora diferente. Decidiu-se pela filha e nunca quis sair de casa novamente. A estabilidade do marido, talvez, tenha sido um dos grandes fatores, mas ela não costumava pensar nisso.

- Agora, sério, diga-me: o que você veio fazer aqui? - perguntou Verônica, enquanto colocava a calcinha.
- Vim tentar fazer você mudar de ideia - disse ele ainda nu, fumando e encostado à porta da sala.
- Eu não mudarei, caramba, não quero mais ver você.
- Então por que abriu o portão para mim?
- E o que eu deveria ter feito? Deixado você lá fora, enquanto minhas vizinhas o mediam? Você sabe quão fofoqueiras elas são? No mínimo, elas falariam com meu marido quando ele chegasse à noite do escritório.
- Bela desculpa - ele riu de canto.
- Por que você está aqui? Vá embora. Já conseguiu o que queria, agora vá.
- O que eu quero é você. Para sempre. Você não pode me deixar.
- Tanto posso que já o fiz. Você também é casado, não vai se separar por mim. Disso eu sei e nós já conversamos sobre isso.
- Mas eu não posso mais viver sem você, você me completa, aquilo que falta na minha esposa, você completa.
- Eu sei, você foi o mesmo para mim, mas meu marido anda desconfiando e não posso deixar que ele descubra. Só de haver a possibilidade de uma traição, nós quase terminamos, imagine se um dia ele tiver certeza? Meu casamento desmorona.
- Ele não vai descobrir. Nós sempre nos certificamos de que nenhum rastro fosse deixado.
- Mas esse tipo de coisa a gente sente.
- Ah, não me venha com essa.
- É verdade, eu estou diferente desde que lhe conheci. Você também deve estar diferente com sua esposa e tenho certeza que ela desconfia. Vai me dizer que não?
- Já me fez uma ou outra pergunta, mas sempre consegui me sair bem.
- Pois então, é  questão de tempo até que ela ou meu marido descubra. Nós não podemos nos arriscar.
- E por que não? Nós não merecemos, também, sermos felizes?
- A nossa felicidade implicará na infelicidade de duas famílias, você acha isso justo?

Não achava e por isso ficou quieto. Essa não era a primeira vez que ela o deixava e ele implorava para voltar. Duas vezes antes já haviam acontecido. Ambas porque estavam a pouco de serem descobertos.



Um dia, depois de se encontrar com ele, Verônica chegou em casa e seu marido já estava lá. Levou um susto grande quando o viu sentado na sala, à sua espera.
- Nossa, mas você já está em casa? - perguntou Verônica, desconcertada.
- Onde você estava?
- Fui ao supermercado -  ela disse, rindo nervosamente.
- Mas onde estão as compras?
Ela nada tinha nas mãos e então, procurando uma desculpa decente, disse - Ah, eles estavam fechados, tentei procurar outro supermercado aberto, mas parece que houve uma queda de energia e os supermercados da avenida fecharam. Vê se pode?
- Verônica, você acha mesmo que eu vou acreditar nisso?
- E por que não acreditaria, se é a verdade?
- Dona Matilde me disse que você saiu às 15, já são 19. Você precisou de 4 horas para se certificar de que os supermercados estavam fechados?
- E você vai acreditar na Dona Matilde? Ela é uma velha, meu amor, como ela pode saber que eu saí às 15 se nem na rua ela estava? Ela deve ter se confundido.
- Verônica...
- Acalme-se, pare de ser besta, eu já te dei algum motivo para desconfiar de mim?
- Não, mas isso está mal contado, pô!
- Invenção da sua cabeça. E essa discussão está terminada, o que você quer para o jantar?

A outra desconfiança partiu da esposa dele, mas nem chegaram a discutir. A pobre era submissa a ele e tudo o que dissesse, acabava acatando.



- Verônica, eu não saberei viver sem você.
- Não diga isso, você não nasceu colado a mim. Eu não sou sua. Eu estou na sua vida, mas não posso mais ficar. Os nossos encontros estão cada vez mais difíceis de se realizarem e uma hora ou outra nós seremos descobertos. Ouça-me, você arcará com as consequências?
- Eu não sei.
- Viu, você nem sabe se conseguirá resistir a isso.
- Mas nós nos amamos, não?
- Não creio nisso.
- Como não? Se não nos amassemos, qual seria o propósito disso tudo? Esses meses nada significaram?
- Claro que significaram e sempre vão ter sua importância em mim, mas eu não lhe amo. Tenho profundo carinho, um tesão enorme e em você encontrei aquilo que eu esperava. Beijei você durante meses. Não fizemos sexo tão logo justamente porque eu queria era beijar-te. Mas saciada a sede, tudo que vai além, só faz mal. Se não engorda, mata.

Ele percebeu que nada havia para fazer que a demovesse da ideia de se separarem. Levantou e vestiu a cueca. Andou até ela e deu o último beijo. Vestiu-se e foi embora.

Verônica então chorou. Chorou como quem perde um filho, como quem perde a mãe em uma acidente de carro. Ela, ali, perdia um grande companheiro, coisa rara de se achar. Compartilhar loucuras, dilemas e vontades muito íntimas, nós só conseguimos se houver companheirismo no relacionamento. De nada adianta o amor, mesmo sendo importante, se ele for cego ou preconceituoso às vontades do outro.

Chorou pelo amigo que perdeu e pela felicidade que viveu durante todos os anos. Viam-se quase todos os dias, em lugares distantes. Em outras cidades, dentro de cafés, cinemas, bares. Já ousaram inventar compromissos de uma semana para passarem juntos, andando, conversando, descobrindo-se um no outro e beijando-se.

Verônica, há muito, não deixava de sorrir. Recebia as visitas que o marido trazia para a casa e cozinhava para elas com um grande sorriso no rosto. O comentário que se fazia é de que Verônica era a esposa que qualquer homem desejaria ter. Linda, inteligente e prestativa. Havia deixado o mercado de trabalho para dedicar-se inteiramente à família. Mas que mulher era ela!

Enxugou o rosto e recompô-se. Tratou de arranjar o jantar, que dentro em breve marido e filha estariam de volta. No fim da tarde a filha chegou e passando pela sala, viu um cinto jogado no chão. Era dele. Pegou e disse a filha que deixou cair ali enquanto pegava as bagunças pela casa. A filha nada disse. Nem tinha o que desconfiar, era nova, não entendia ainda as coisas da vida. Talvez nem Verônica entendesse, mas há essa visão de que a vida adulta traz as respostas que tanto se procura quando mais novo.

Guardou o cinto dele na sua gaveta de calcinhas. O marido nunca foi de fuçar no guarda-roupa. Sabia que ali a última lembrança do seu segredo estaria bem guardada.

Ouviu a porta se abrir e o marido entrar pela sala. Foi em direção a ele e, sem explicar tampouco ele entender, o beijou demoradamente. De língua. Abrindo a boca como quem tenta comer uma fruta grande demais. Ele a beijou de volta e ficaram assim alguns minutos até que se soltaram. Ela o olhou por algum tempo e então serviu o jantar.

Mesmo que nada tenha sido dito, ele sabia que sua esposa estava de volta. Verônica seria outra a partir de agora. Não que ela se sentisse culpada. Não. Verônica havia reabastecido as próprias energias. Ele havia sido seu recarregador e agora ela poderia se empenhar inteiramente à família. 

Sentou-se e jantou junto dos que ama, olhando a janela aberta e uma linda lua cheia no céu.

3 comentários:

  1. ela e uma vadia mulher seria nao da confiaça para homem quando da porque quer rola mesmo , ela e uma safada.

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  2. Gostei muito da história, por mais que eu seja sempre a favor dessa paixão fervorosa... Sim, eu estava votando pra Verônica ficar com ele! :/ haha

    beijos!

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