Janaína eu conheci foi lá na casa de minha tia, Euzébia. Ela
lavava a roupa da casa. Ia buscar toda terça e trazia de volta na quinta.
Lavava e passava. A roupa voltava com cheiro de lavanda. Sempre tinha uma flor
no cabelo e vestia vestido de renda. Tinha uma chinela de couro e um sorriso de
matar qualquer peão desavisado.
Era uma força da natureza. Assim eu via Janaína. Coisa rara
de achar. Tinha o par de pernas mais sensacional do subúrbio. Andava pra cima e
pra baixo com aquela tentação de anca balançando. Passava em frente ao bar do
Bataú rebolando e todo bêbado que lá estava levantava o copo e lhe dedicava um
brinde. Era mesmo uma comemoração vê-la passando.
O dia que eu a conheci era uma terça de calor. Passava dos
trinta e cinco graus. A coisa estava preta. Minha tia passava mal, tinha algo
que não sabia explicar e não nos deixava falar com o médico. Nossa única
alternativa era ficar com ela pra ajudar em alguma coisa.
Meio da tarde entra Janaína sem avisar. Já no meio da cozinha,
todo mundo espantado, ela vê que tem gente diferente e faz é sorrir – Oi, sou
Janaína, a lavadeira. Meu coração bateu forte, a mão tremeu, o suor escorreu
leve na testa. Apresentei-me, disse que era sobrinho de tia Euzébia, Juninho,
seu criado. Ela achou graça do diminutivo. Eu achei graça de ela achar graça.
Rimos feito bestas.
Na quinta, ainda ajudando minha tia, entra Janaína toda
rebolosa com a roupa na mão. Um vestido azul que contrastava com a pele morena
de sol. Eu fui à loucura. Era água na boca que não dava mais. Acho que ela
percebeu, perguntou se estava tudo bem, seu Juninho, e eu meneei a cabeça. Era
uma aparição. Conversa vai e vem, a tarde passa e Janaína não se vai. Fez café,
arrumou a roupa no armário. Ficou.
À noite, quase na hora do jantar, Janaína indo pra porta, eu
disse que ficasse pra jantar com a gente, mas recusou, disse que tinha roupa
ainda pra lavar e foi-se.
Terça seguinte fiz questão de estar lá. Arrumei a roupa suja
da casa e esperei Janaína. Mal chego já me sorriu. – Seu Juninho, agora mora
com Dona Euzébia, é? Fiquei envergonhado. Corei. Disse que não, que vim pra
vê-la. Janaína riu de canto e me mandou catar coquinho. Quem dizia aquilo hoje
ainda? Janaína era mesmo de se amar, falava o que queria, nem sempre o que a gente
queria ouvir. Era genial.
Depois disso, era terça e quinta eu não faltava à casa de
tia Euzébia. Ela achava graça do meu chamego com Janaína, mas me advertia
dizendo que a garota era morena d’água, quando menos se esperava tinha ido com
a correnteza. Fiquei sem entender, tia ficou sem explicar, mas deixei pra lá.
Já tinha levado Janaína pra cama. Aquilo que era mulher, o resto era só peito e
boceta. Janaína era um furacão.
Um dia disse à Janaína que a gente namorasse. Ela riu e nada
disse. Eu insisti e ela me chamou de canto – Ô branco – me chamava assim, a
danada – eu não tenho homem fixo não, gosto demais de você, mas não fico sem os
outros.
Eu espantei, disse que tudo bem, que não fazia mal. Ela
então foi embora e eu fiquei pensando, mas que diabos era essa história de
outros? Então ela me comia daquele jeito, me dominava daquele jeito, aquele
sorriso, aquela anca, aquela surra toda e ainda sobrava pra mais gente? Eu
duvidei e fui procurar saber.
Dois dias depois, Janaína com a roupa voltou e a gente fez
amor na mata, atrás da casa de tia. Terminado o chamego, ela foi embora e eu
fui atrás. Segui a danada pela vida. Foi pra casa, lavou a roupa e saiu
entregar a roupa que já estava pronta. Desceu pra casa de Antonico e lá ficou
por mais de três horas. No dia seguinte, entregou roupa na casa de Agenor,
Paulo e Fagundes. Janaina era uma puta.
Fiquei triste, doeu o coração e fui beber no Bataú. Chorei
as pitangas, chorei na frente dos bêbados. Eles riam, mas me consolavam. Até
que Bataú, homem mais velho e safado da redondeza, abriu a boca e disse o
seguinte – Seu Juninho, Janaína é patrimônio público desse subúrbio, não há
cabra que não tenha se deitado com ela. Querer prender a morena é a mesma coisa
que enfrentar o mar, não acaba bem.
Fui pra casa com aquilo na cabeça. Dormi, acordei, fiquei
dias na casa de tia Euzébia tentando pensar, mas a dor não passava. Fui pra
minha casa. Trabalhei, deixei que os dias passassem. Saí com outras mulheres.
Loiras, ruivas, morenas. Mas nenhuma delas era Janaína. Voltei em uma terça e
Janaína estava lá, recolhendo a roupa. Olhou-me torto, fez graça com a boca. –
Minha tia está? – Não, foi na casa de Dagmar.
Janaína não terminou a frase. Levantei o vestido e a comi
ali na varanda. O cabelo anelado balançando, ela me chamando de Juninho
baixinho no ouvido. Eu ficava louco. Mordia, batia na cara, sempre fui de fazer
bem feito, mas Janaína estava deliciosamente safada e morena. O ombro que
contraía, a bunda pra cima. A marca da calcinha branca naquela anca morena. Pegava
sol todo dia, a danada.
Deitados na Varanda, perguntei como ela estava. Disse que
bem, feliz. Sorriu-me. Um sorriso macio. A gente sentia Janaína toda. Ela não
fazia amor com o sexo, Ela era inteira o sexo. Comer Janaína era algo literal,
havia que morder pra ser inteiro, machucar, gozar. E não havia escapatória, uma
vez Janaína, sempre Janaína.
Isso foi há quarenta anos. Hoje Janaína morreu. No velório,
nunca vi tanto homem junto, tanta cueca chorando ao mesmo tempo, parecia mais
rebaixamento do Corinthians pra segunda divisão. Um negócio emocionante. Todo
mundo chorava e eu chorava junto. Era uma dor única, sofríamos em uníssono. Foi
bonito.
Na hora de enterrar, era tanta flor em cima do caixão, que
parecia primavera. O caixão desceu e todos nós aplaudimos. Morria um mito, uma
deusa, Janaína foi mulher de todos nós, morreu de tanto amar. Janaína que era
mulher de verdade, sem medo.
Janaína eu conheci foi lá na casa de minha tia, Euzébia. Ela
lavava a roupa da casa. Ia buscar toda terça e trazia de volta na quinta.
Lavava e passava. A roupa voltava com cheiro de lavanda. Sempre tinha uma flor
no cabelo e vestia vestido de renda. Tinha uma chinela de couro e um sorriso de
matar qualquer peão desavisado.
Era uma força da natureza. Assim eu via Janaína. Coisa rara
de achar. Tinha o par de pernas mais sensacional do subúrbio. Andava pra cima e
pra baixo com aquela tentação de anca balançando. Passava em frente ao bar do
Bataú rebolando e todo bêbado que lá estava levantava o copo e lhe dedicava um
brinde. Era mesmo uma comemoração vê-la passando.
O dia que eu a conheci era uma terça de calor. Passava dos
trinta e cinco graus. A coisa estava preta. Minha tia passava mal, tinha algo
que não sabia explicar e não nos deixava falar com o médico. Nossa única
alternativa era ficar com ela pra ajudar em alguma coisa.
Meio da tarde entra Janaína sem avisar. Já no meio da cozinha,
todo mundo espantado, ela vê que tem gente diferente e faz é sorrir – Oi, sou
Janaína, a lavadeira. Meu coração bateu forte, a mão tremeu, o suor escorreu
leve na testa. Apresentei-me, disse que era sobrinho de tia Euzébia, Juninho,
seu criado. Ela achou graça do diminutivo. Eu achei graça de ela achar graça.
Rimos feito bestas.
Na quinta, ainda ajudando minha tia, entra Janaína toda
rebolosa com a roupa na mão. Um vestido azul que contrastava com a pele morena
de sol. Eu fui à loucura. Era água na boca que não dava mais. Acho que ela
percebeu, perguntou se estava tudo bem, seu Juninho, e eu meneei a cabeça. Era
uma aparição. Conversa vai e vem, a tarde passa e Janaína não se vai. Fez café,
arrumou a roupa no armário. Ficou.
À noite, quase na hora do jantar, Janaína indo pra porta, eu
disse que ficasse pra jantar com a gente, mas recusou, disse que tinha roupa
ainda pra lavar e foi-se.
Terça seguinte fiz questão de estar lá. Arrumei a roupa suja
da casa e esperei Janaína. Mal chego já me sorriu. – Seu Juninho, agora mora
com Dona Euzébia, é? Fiquei envergonhado. Corei. Disse que não, que vim pra
vê-la. Janaína riu de canto e me mandou catar coquinho. Quem dizia aquilo hoje
ainda? Janaína era mesmo de se amar, falava o que queria, nem sempre o que a gente
queria ouvir. Era genial.
Depois disso, era terça e quinta eu não faltava à casa de
tia Euzébia. Ela achava graça do meu chamego com Janaína, mas me advertia
dizendo que a garota era morena d’água, quando menos se esperava tinha ido com
a correnteza. Fiquei sem entender, tia ficou sem explicar, mas deixei pra lá.
Já tinha levado Janaína pra cama. Aquilo que era mulher, o resto era só peito e
boceta. Janaína era um furacão.
Um dia disse à Janaína que a gente namorasse. Ela riu e nada
disse. Eu insisti e ela me chamou de canto – Ô branco – me chamava assim, a
danada – eu não tenho homem fixo não, gosto demais de você, mas não fico sem os
outros.
Eu espantei, disse que tudo bem, que não fazia mal. Ela
então foi embora e eu fiquei pensando, mas que diabos era essa história de
outros? Então ela me comia daquele jeito, me dominava daquele jeito, aquele
sorriso, aquela anca, aquela surra toda e ainda sobrava pra mais gente? Eu
duvidei e fui procurar saber.
Dois dias depois, Janaína com a roupa voltou e a gente fez
amor na mata, atrás da casa de tia. Terminado o chamego, ela foi embora e eu
fui atrás. Segui a danada pela vida. Foi pra casa, lavou a roupa e saiu
entregar a roupa que já estava pronta. Desceu pra casa de Antonico e lá ficou
por mais de três horas. No dia seguinte, entregou roupa na casa de Agenor,
Paulo e Fagundes. Janaina era uma puta.
Fiquei triste, doeu o coração e fui beber no Bataú. Chorei
as pitangas, chorei na frente dos bêbados. Eles riam, mas me consolavam. Até
que Bataú, homem mais velho e safado da redondeza, abriu a boca e disse o
seguinte – Seu Juninho, Janaína é patrimônio público desse subúrbio, não há
cabra que não tenha se deitado com ela. Querer prender a morena é a mesma coisa
que enfrentar o mar, não acaba bem.
Fui pra casa com aquilo na cabeça. Dormi, acordei, fiquei
dias na casa de tia Euzébia tentando pensar, mas a dor não passava. Fui pra
minha casa. Trabalhei, deixei que os dias passassem. Saí com outras mulheres.
Loiras, ruivas, morenas. Mas nenhuma delas era Janaína. Voltei em uma terça e
Janaína estava lá, recolhendo a roupa. Olhou-me torto, fez graça com a boca. –
Minha tia está? – Não, foi na casa de Dagmar.
Janaína não terminou a frase. Levantei o vestido e a comi
ali na varanda. O cabelo anelado balançando, ela me chamando de Juninho
baixinho no ouvido. Eu ficava louco. Mordia, batia na cara, sempre fui de fazer
bem feito, mas Janaína estava deliciosamente safada e morena. O ombro que
contraía, a bunda pra cima. A marca da calcinha branca naquela anca morena. Pegava
sol todo dia, a danada.
Deitados na Varanda, perguntei como ela estava. Disse que
bem, feliz. Sorriu-me. Um sorriso macio. A gente sentia Janaína toda. Ela não
fazia amor com o sexo, Ela era inteira o sexo. Comer Janaína era algo literal,
havia que morder pra ser inteiro, machucar, gozar. E não havia escapatória, uma
vez Janaína, sempre Janaína.
Isso foi há quarenta anos. Hoje Janaína morreu. No velório,
nunca vi tanto homem junto, tanta cueca chorando ao mesmo tempo, parecia mais
rebaixamento do Corinthians pra segunda divisão. Um negócio emocionante. Todo
mundo chorava e eu chorava junto. Era uma dor única, sofríamos em uníssono. Foi
bonito.
Na hora de enterrar, era tanta flor em cima do caixão, que
parecia primavera. O caixão desceu e todos nós aplaudimos. Morria um mito, uma
deusa, Janaína foi mulher de todos nós, morreu de tanto amar. Janaína que era
mulher de verdade, sem medo.
Você sempre me assustando com seus textos gigantes na primeira vista mas que flui facilmente. Imaginei as cenas detalhadamente. Ótima criatividade, Marcelo!
ResponderExcluirbeijos
Olá Marcelo, tudo bem?
ResponderExcluirGostei muito do seu blog e da sua forma de escrever, de verdade.
Até a próxima,
Ícaro.
tão leve, tão fluido e tão real. parabéns, marcelo, seus textos são absurdamente bons!
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