A nossa timidez

Eu que sempre fora muito tímida, de uns tempos para cá adquiri estranhos hábitos. A princípio, eram coisas banais, como reparar demasiado no volume que o pau de qualquer homem faz na calça, reparar em seus pés, fazer o desenho inocente de uma barba em algum anúncio de lâmina de barbear, que eu achasse em alguma revista. Ter essas brincadeiras faz a alegria de qualquer mulher que começa a se descobrir. A minha se deu aos trinta anos, é verdade, mas a descoberta é sempre importante.

Depois, esses pequenos hábitos começaram a tornar-se algo mais sério, como minha excessiva frequência em lojas de departamento direcionadas ao público adulto, também vulgarmente conhecidas como sex shops - vulgarmente chamadas, mas como tenho gostado de me libertar: belíssimas sex shops -, a vontade de trepar com homens os quais eu nunca vi anteriormente e assim por diante.

Eu sempre gostei de homem, mas a gente acaba por gostar com parcimônia para não assustar à mãe ou à avó. Dava meus beijinhos em alguns homens que acabava conhecendo nos bares, em alguma balada marcada com os amigos. Uma mão boba no caminho de volta para casa, às vezes um boquete, para não passar a noite em branco, mas nada demais.

Sexo nunca fora algo comum para mim. Eu tinha em mente que trepar era sagrado, que a gente fazia bem, gostoso e com total liberdade somente com o nosso marido. Ou esposa. Nunca tive esses pequenos preconceitos que açoitam a alma humana. Mas gosto de homem, isso é inegável. Sempre soube e depois que essas transformações começaram a se evidenciar em mim, tive total certeza: meu negócio é pau.

Perdoem-me o linguajar um pouco chulo, mas perder as amarras é algo importantíssimo. E uma dessas importantes foi deixar de chamar o órgão sexual masculino de órgão sexual masculino e começar a chamá-lo de pau, pinto, cacete etc.

Pois bem, dito isso, devo dizer que a minha estranheza está no que tem acontecido há algumas semanas. Conheci um cara. Um cara lindo, Loiro, com o cabelo bagunçado, embaraçado mesmo e que me come como ninguém antes o fizera. Come como se eu fosse a última, como se o mundo fosse acabar, como se o seu pau nunca mais fosse funcionar se ele não derramasse em mim o seu leite e me purificasse de alguma forma.

Começamos com um aceno de cabeça, um cumprimento informal e quando me dei conta, eu estava na sua cama, do décimo oitavo andar de um belo edifício na zona sul, de quatro, gritando como se tivessem me forçado a alguma coisa. Não que ele o tivesse feito, mas gosto de deixar claro que sinto prazer. E eles adoram. Ele principalmente. A primeira vez que gemi e gritei, levei um tapa na bunda e ele pediu mais de mim. Sou submissa na cama e aceitei, e mais outros e outros tapas até que aquilo virou vício.

Tenho vício em homem. Pau é bom demais, mas não sei o que faço para equilibrar isso. Se minha mãe descobre que eu tenho me relacionado sexualmente com este rapaz diariamente, é capaz de morrer de um infarto fulminante, a coitada. Mas não posso negar, ter que frear os meus instintos é algo que fiz durante muito tempo, mas não quero mais. Eu chego em seu apartamento, tiro a roupa e deixo que aconteça.

Sexo é assim, é sensorial, a gente não precisa ter um corpo bonito, um par de seios maravilhoso, o cara não precisa ter um pau gigante, corpo definido e essas cobranças todas. Não, sexo é deitar - ou não - e fazer. Sentir, tremer, querer meter, querer lamber. Sexo também é beijar e deixar que as pernas tremam, que a língua acenda. Sexo não é essa performance que a gente tem se cobrado. Perna pra lá, olho pra cá, cara de filme pornô, creme hidratante que só faz a mão escorregar, um monte de cheiro que esconde o cheiro que realmente importa naquilo tudo. O cheiro do pau, da boceta.

Mas dizer isso tudo me dá um certo receio. A gente não pode falar o que pensa. Imagina se todos nós pudéssemos fazer exatamente aquilo que nos dá vontade. Talvez eu transasse o dobro. Talvez a gente não se olhasse pela rua. A gente nunca sabe. Ou talvez a gente se gostasse ainda mais, se curtisse de verdade. Mas a verdade das coisas pesam nossas almas e somos cobrados. Sempre somos cobrados pela posição que assumimos. Por isso essa minha preocupação, entendem? É difícil demais gostar de pau como gosto, sem poder dizê-lo livremente.

Vejo minhas irmãs falarem com minha mãe sobre a festa de casamento que farão, sobre os filhos que pensam em ter, a faculdade que não vai bem. As suas maiores preocupações. Pelo menos, são essas as que elas decidiram compartilhar com ela. E então penso como minha mãe reagiria de soubesse o que faço. Como eu perguntaria para minha mãe qual a melhor posição para chegar ao orgasmo? Ou a melhor posição para que eu não tenha, durante o sexo, uma pela cãibra?

Não me vejo nessa situação. Não a vejo nisso também. Minha mãe não suportaria ter que admitir que não sabe me responder isso tudo porque o sexo que fez com meu pai durante toda uma vida é mediano, que não vai bem, que não chega ao orgasmo ou que meu pai a come e vira de lado. Não que o seu prazer deva ser responsabilidade dele, mas que o prazer seja mútuo e a sua conquista seja compartilhada, com o peso de sua responsabilidade solidária.

O loiro eu ainda vejo sempre. Ele me come pesado, com os pelos do corpo me roçando inteira, com o pau que me machuca, com os pés bonitos. Ele não é só um homem, ele é um prazer. É tesão, é vontade de gritar de tanta vontade, de bater, de gozar. É o sexo personificado, é a essência de minha existência. Meter é algo que transcende a alma. Não é animal, é divino, é bonito, é algo que a gente deveria fazer sem medo.

Mas ele existe: o medo. E eu tenho. Tenho medo pelas pessoas que não trepam, que trepam mal ou que trepam com medo. Que não conseguem se relacionar adequadamente com outra pessoa, que se escondem dentro de si mesmas e que são ensimesmadas, sem conseguir se doar. Eu quero ainda conseguir falar com minha mãe sobre tudo o que eu sinto, faço e agonizo, mas ainda não posso. É proibido.

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