Sapatos na varanda

Há um par de sapatos na varanda.

Não me incomodavam antes,
mas estão lá, rindo de mim.
Não suporto mais.

Percebi-os no começo da semana.
Antes, numa revista perfunctória,
quando lhe botei para fora de casa,
eles me pareceram inofensivos.

No entanto, hoje, riem de mim,
apontam seus cadarços,
riem seus bicos, sei lá mais o quê.
Mas esses sapatos na varanda
bronzeando a sola,
feito você bronzeava o corpo,
estão me matando.

Não são como a fotografia
que rasguei,
a xícara
que quebrei.
Doem mais.

Lembram-me detalhes mais íntimos,
paisagens incrustadas, nossa tatuagem.
O Bukowski que dizias para mim.

Mas não tenho força alguma para jogá-los,
destiná-los à adoção.
Uma relação de dependência.

Talvez eu os limpe mais tarde,
engraxe,
coloque talco para espantar o chulé
e os guarde.

É provável que dentro do armário,
junto dos meus, ele se cale,
se encontre,
case com meu par de chinelas.

3 comentários:

  1. O poema apresenta
    alguns sintomas de
    Amour.

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  2. quando não há mais passos nos sapatos, o ideal é deixá-los que se suicidem varanda abaixo.

    quero mais poemas seus!

    bjs, filhotico nunca esquecido

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  3. Esse teu zelo com as lembranças me comove tanto. <3

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