Depois de mim

Sobre o bullying que sofri e o fardo de ser gay em uma sociedade machista e má.

Eu decidi que escreveria sobre isso depois de assistir a "Después de Lucía", filme de 2012, que fala sobre a vida de um pai e uma filha após a morte da mãe. Ambos se mudam para outra cidade, no México, e tentam ali superar a morte de Lucía, em um acidente de carro. O filme trata a relação carinhosa dos dois e a dificuldade de adaptação, mas principalmente a dor de Alejandra, a filha, em conviver com um contexto diferente do que vivia.



Alejandra, já em uma escola nova, sai com alguns amigos e decide transar com José no primeiro encontro. Ele grava a transa e publica para a escola inteira e, a partir disso, Alejandra começa a ser perseguida, humilhada, molestada, agredida e submetida a cenas deploráveis. Não conto mais porque acabaria com o filme, mas peço que assistam e tentem ver e entender o que eu vi.

Enquanto eu assistia, tive algumas crises de choro e ânsias de vômito. Além do filme ser forte, eu sofri a maioria das coisas que Alejandra sofreu, na escola. Desde sempre denotei ser gay. Se hoje sou afeminado, imagine isso aos 7 anos de idade? Era uma menina. E em casa não havia problema com isso. Meus pais sempre foram muito abertos, nunca tiveram preconceito ou foram ignorantes, todas as vezes que me montava, eles deixavam e achavam que fazia parte da minha descoberta.

Mas quando a gente cresce, a nossa vida não se limita mais a nossa casa. A gente começa a ir para a escola e as pessoas são más. E, juntas, são uma quadrilha. Comecei a sofrer bullying aos 10 anos de idade e isso se estendeu até os 18, quando terminei o ensino médio. E quando digo bullying, não me refiro só aos termos com que era tratado. Ser xingado de bicha, viado, baitola, era o menor dos meus problemas. Eu sabia que as pessoas falariam. Era algo que eu esperava. Eu já sabia que tinha nascido diferente, apesar de ter vivido um estado de negação, mas o que eu não entendia era como eu podia ser violado e ninguém fazer nada para me ajudar.

Primeiros foram os xingamentos. Com o tempo, e os hormônios em alta, os meninos achavam necessário passar a mão em mim para me inferiorizar. A sociedade machista que nós vivemos faz com que os homens entendam que a mulher deve ser submetida a humilhações. Ela serve para isso, é um pedaço de carne. Eu, sendo gay, era considerado fêmea e, sendo uma, deveria ser humilhado, alisado e objetificado a fim de sua diversão. Eu era o palhaço da sala, mas com uma diferença, as mulheres corroboravam essa imagem.



Eu era olhado, medido, e ofendido. Alguns me detestavam por eu ser gay. Por andar rebolando, por rir e inclinar a cabeça para trás, por gesticular, por tudo. Lembro-me que certa vez, saindo de uma prova de Matemática, alguns dos  colegas de classe que saíram antes me esperaram. Quando saí da sala e passei por eles, começaram a me chamar, em uníssono, de viado. Aquilo se arrastou até a rua debaixo da escola e nenhum professor, diretor ou pedagogo me auxiliou. Hoje, eu daria risada, fingiria descontração, porque apesar de sentir a maldade eu sou viado, eu sou bicha, e me chamar assim não me ofende. Mas aos 14 anos de idade, esse tipo de situação machuca mais que uma surra.

Nos meses seguintes, pensei em me matar. Entrava no chuveiro disposto a fazer algo, mas desistia. Talvez por ter medo de morrer, medo da culpa, do pecado, de fazer sofrer quem sempre gostou de mim. Desisti. Mas quando se desiste é necessário ser forte para enfrentar o mundo. Eu levei isso até os 18, quando me formei. Até o último dia de aula eu deixei isso para lá. Fosse hoje, eu agiria de outra forma? Com certeza. Teria pedido ajuda aos meus pais, teria me defendido, jamais teria permitido que aquele rapaz me passasse a mão na frente da sala inteira pra me intimidar e ridicularizar. Teria me virado para os garotos que me chamavam de viado e teria gritado que sou sim viado, mas um viado educado, que não humilha, que tem educação. Teria alertado os meus professores, teria ido à polícia, não teria pensando em me matar.

Mas, apesar de toda a consciência que tenho hoje, ainda passo mal quando me lembro, ainda tenho nojo de quem me fez mal, ainda lembro dos rostos de todos que me maltrataram. Eu não sei se um dia vou esquecer, talvez um dia eu consiga dormir e não me lembre mais de como foi passar por tudo isso, mas ainda não consigo.

Consigo viver e levar a vida. Hoje, consigo ser gay sem ter problema algum com isso. Consigo me impor e me fazer respeitar. E, se o respeito não vier, eu corro atrás dele. Hoje eu entendo que algumas coisas que sofri são crime e, se me acontecer algo do tipo novamente, eu posso pedir ajuda.

O que eu queria dizer com isso tudo é que ainda dói, eu ainda morro todos os dias por ter sofrido bullying, e que, como Alejandra, eu consegui sobreviver. Mas as consequências são nefastas e nem todo mundo pode ser salvo.

2 comentários:

  1. Mano,

    um texto forte...triste, forte, mas com esperança. A vida da voltas e voltas e ter essa possibilidade de olhar com "outros olhos" em outro momento e julgar novamente a si mesmo ou a situação é interessante, faz crescer (e mostra o quanto crescemos). Muito bom.

    Ah, estava com vontade mesmo de ver esse filme..fiquei mais ainda rs

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  2. Este comentário foi removido pelo autor.

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