Viela

À Suzana Guimarães


E quando entrei àquela rua enviesada, escondida das ruas largas e distintas da cidade, deparei-me, súbito, com o cheiro forte das flores. Eram cheiros misturados e, para mim, que nunca fora entendido dessas delicadezas, não pude reconhecer os cheiros todos, mas emocionou-me. Imbuído de saudade, daquela que aperta o peito da gente a ponto de explodir e não mais restar pedaço que se costure, sentei à calçada. Fiz menção de olhar para cima, tentar admirar o céu, mas a beleza que eu procurava - e encarava de fato - estava ali em frente. Os galhos retorcidos de uma árvore, as flores murchas, com o caule a se desprender do galho, as gotas caindo. Não mencionei: chovia. Chove. Pois me lembrando como ocorrera, é como se eu pudesse viver tudo novamente.

Estou sentado e não consigo parar de chorar pela infelicidade de não poder tocar. A memória, depois de um tempo, prega peças e nos conforta, mas rouba os traços, as menções, as palavras. Ouço ele rir, dobrar a cabeça para frente e suas tatuagens falam comigo. Pedem-me calma, que eu não me desespere. Chorar me fará bem, mas sair disso só me jogará em um poço fundo demais para sair. Olho-o, lindo, reconforta-me a possibilidade de tê-lo tão perto, mesmo que não o toque. Sinto o cheiro típico do cigarro que ele fumava quando deitávamos. Lembro do maço, do isqueiro e da noite escura e o ponto acesso em meio à felicidade que não se mostrava.

O poste à minha frente se parece com nossa luminária. A árvore, eu diria que nossa casa. Naquela rua, calma, quieta, com o barulho da chuva e a tormenta de cheiros, eu me deixo cair em gargalhadas histéricas e em choros compulsivos. Era lindo, lindíssimo, tinha vontade de beijá-lo até que sangrasse. Havia de ter um defeito, o sacana. O sorriso não era. Era o próprio capeta, tamanha destreza. Reto, alinhado, sorria de canto e eu já não sentia coisa alguma. O cheiro dele impregnado nas folhas murchas das árvores. A chuva intensifica, as paredes parecem falar comigo. Expulsam-me, parecem pedir que eu vá. Não entendo o que dizem, mas capto a intenção.

Volto outro dia. Sorrio aos galhos que são gavetas da memória. 

3 comentários:

  1. Que lindo Marcelo. A Suzana deve estar maravilhada com essa homenagem. .. escreve algo pra mim também. ..kkk...

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  2. Obrigada, Marcelo! Fico muito feliz ao saber que inspiro as pessoas a sentir as belezas nos dada todos os dias, e, muitas vezes, deixadas de lado, porque "não há tempo". O mundo é triste, estamos na sala escura da espera, mas podemos fazê-lo melhor, todos os dias.

    Grande abraço!

    Suzana Guimarães, a Lily

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  3. Marcelo, tu és meu Caio Fernando <3
    Sempre incrível.
    Palavras certas nos textos certos. Tudo se encaixa.
    Para de fazer qualquer coisa, menos de escrever haha
    Abraço.

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